5 de fevereiro de 2014

O que a Ciência sabe sobre o leite



Quando surgiu a mutação genética que permitiu aos adultos humanos continuarem a fazer a digestão da lactose, os seus portadores passaram a estar em vantagem sobre os outros. Até lá, só as crianças digeriam este açúcar natural do leite e pelos7-8 anos o gene da enzima “desligava-se”. Depois dessa idade só os derivados do leite, como o queijo e o iogurte, podiam ser ingeridos, pois nestes a lactose está reduzida a limites toleráveis. Mas a mutação, surgida á volta de 7 mil anos na Europa central, permitiu que os seus portadores tivessem cerca de 20% mais descendentes saudáveis do que os outros, tornando-se uma mutação dominante no grupo. Estes expandiram-se pelo norte e nos dias de hoje mais de 90% da população do norte da Europa consegue digerir a lactose. Já no sul, descendentes de outros grupos neolíticos, menos de 40% tem essa capacidade.
Hoje em dia, cerca de 35% da população mundial consegue digerir a lactose. Os outros, na melhor das hipóteses ficam com problemas de flatulência ou, na pior, valentes diarreias. Felizmente podem comer queijo e iogurtes sem esses problemas.

O leite e derivados acompanham civilizações humanas desde que estas se civilizaram: ou seja, desde que evoluímos de caçadores-colectores para agricultores-pecuaristas. Recentemente circula uma campanha a alertar-nos para os perigos destes alimentos. Dizem absurdos como “somos os únicos mamíferos a beber leite em adultos” (também somos os únicos a comer batatas fritas, usar roupa e andar de bicicleta). Dizem outras coisas mais preocupantes como “o leite causa acidose e descalcifica os ossos, provocando osteoporose”. E fazem comparações no mínimo ingénuas do género “nos países onde se consome mais leite há mais prevalência de osteoporose ” Essas comparações estatísticas não passam de absurdos pseudo-científicos. Uma demonstração divertida desses abusos encontra-se num estudo que provou estatisticamente que regiões (penso que de Inglaterra) com mais cegonhas também eram as que tinham mais bebés. Ao contrário do que alguém mais apressado possa concluir, não foram as cegonhas que trouxeram os bebés, mas ambos os factores estão relacionados com um terceiro: o tamanho das regiões: as maiores tinham mais cegonhas e mais pessoas, logo mais bebés. Pronto. No caso dos países com mais casos de osteoporose, há muitos outros factores que podem estar relacionados com a incidência desta doença, como outros hábitos alimentares, sedentarismo, genética…
Então, e o que dizem as centenas e centenas de artigos científicos sobre os efeitos do leite na saúde?
- O leite causa acidez do sangue?
Não! Nem o leite nem outro alimento. Este “boato” surgiu porque após a digestão das proteínas (que podem ter origem no leite, carne ou vegetais) há produção de moléculas ácidas que são excretadas pela urina. No entanto, é a urina que fica mais ácida, mantendo-se constante o PH do sangue (entre 7.35–7.45). As proteínas do leite produzem tantas moléculas ácidas quanto as proteínas da soja, por exemplo, mas considerando o leite como um todo (e não só as suas proteínas), o balanço ácido é negativo, ou seja, os metabolitos resultantes da digestão de todos componentes do leite são ligeiramente alcalinos – logo, não acidificam a urina.
Leite e osteoporose:
 Com o aumento da acidez da urina devido ao metabolismo das proteínas, há também perda de cálcio. No entanto, quando há perda de cálcio pela urina, reduz-se a perda deste por outras vias e pode mesmo aumentar a sua absorção no intestino, portanto o balanço final mantém-se neutro em condições normais, não havendo descalcificação e eventual osteoporose. Com a ingestão do leite a urina não se torna mais ácida, mas mesmo assim há perda de cálcio. Não significa que seja a expensas do cálcio nos ossos, mas sim como resposta ao aumento de cálcio absorvido no intestino. O leite e derivados não só NÃO descalcificam os ossos, como no geral favorecem a saúde destes ao serem uma boa fonte de cálcio, vitamina D e outros nutrientes importantes, como o potássio e magnésio, e também componentes bioactivos que favorecem o metabolismo ósseo. A osteoporose é uma doença multifactorial e a ingestão de cálcio não pode prevenir a perda óssea causada por outros motivos como o sedentarismo, etc.
Leite e cancro:
Estas entidades “World Cancer Research Fund” e “American Institute for Cancer Research report” concluíram que o leite está associado a menor incidência de cancro colorectal e uma ligeira menor incidência de cancro na bexiga. Nos restantes tipos de cancro não há evidências ou são contraditórias, mas no caso de cancro na próstata há uma ligeira maior incidência de casos, possivelmente associada, ao excesso cálcio. O ponto-chave poderá estar nessa palavra: excesso. Já dizia Paracelsus há 500 anos atrás: é a dose que separa o remédio do veneno. Litradas de leite podem não ser benéficas. Tal como litradas de cerveja, vinho…ou mesmo água! Pois é, também faz mal. Ouviu dizer que devemos beber 2 litros de água por dia? Pois nessa conta inclua a água obtida através dos alimentos e reduza os copos para metade. Água em excesso pode causar distúrbio na concentração de sais no organismo - chama-se hiponatremia.
Pois até agora não se provou que leite e derivados em moderação sejam prejudiciais à saúde mas, pelo contrário, sabe-se que são benéficos, tendo um efeito protector contra doenças cardiovasculares, diabetes e síndrome metabólica.
Os outros motivos de ataque ao leite, relacionados com a sua produção, podem aplicar-se a qualquer alimento produzido de forma convencional, havendo como alternativa os produzidos em modo biológico.
Por fim, para quem acha que todos estes estudos científicos são uma conspiração da poderosa indústria do leite, que alcança as centenas de laboratórios existentes em todo o mundo, incluindo institutos de investigação nos EUA, Escandinávia, Suíça, China, Paquistão, etc., pergunta-se se essa campanha de desinformação não será antes uma conspiração da poderosa indústria da soja transgénica (já correspondendo a cerca de 81% da produção mundial) para aumentar o consumo de leite de soja …transgénica?
 Constança Camilo-Alves

Artigos científicos consultados:
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