14 de novembro de 2014

A fisiologia dos campeões




O que é que os campeões de desportos de resistência (em particular corrida de maratonas e ciclismo de estrada) têm, que nós não temos?
Há 3 principais condições fisiológicas que os distinguem dos outros atletas:

1- Elevado VO2 max: O volume máximo de oxigénio que o nosso organismo consegue consumir por minuto.
Este valor está relacionado com débito cardíaco, a quantidade de hemoglobina no sangue, uma boa circulação do sangue nos músculos e capacidade de extracção de oxigénio pelos músculos e, nalguns casos, a capacidade dos pulmões em oxigenar o sangue.

Os campeões têm valores entre 70 a 85 ml/kg/min. As campeãs cerca de 10% a menos devido à menor concentração de hemoglobina.
As pessoas activas, mas não-atletas, apresentam VO2 max. entre 35 a 40 ml/kg/min.

2- Elevado limiar do ácido láctico (ou limiar do lactato, ou limiar anaeróbico): Refere-se à intensidade do exercício a partir da qual começa a acumular-se lactato no sangue. Acumula-se porque a sua produção é superior ao seu consumo, e dá-nos uma indicação de quanta energia está a ser produzida pelos processos anaeróbicos. Ou seja, a energia produzida pelos métodos aeróbicos – com oxigénio – não é suficiente para dar conta das necessidades àquelas intensidades.

Os campeões têm o seu sistema aeróbico tão eficiente que só começam a produzir energia pelas vias anaeróbicas a intensidades de treinos lá perto do seu VO2 max. Isto é, quando o consumo de oxigénio anda entre os 85-95% da sua capacidade máxima. Os atletas recreacionais têm limiares entre 65-80% da VO2 max, e os restantes mortais começam a acumular lactato a 60% do seu VO2 max, portanto a intensidades bem mais baixas.

Outro factor importante que ajuda a elevar este limiar anaeróbico é a quantidade de fibras musculares. Mais fibras a partilharem o esforço, alternando-o entre elas, permite-lhes cansarem-se menos. Os campeões “conseguem” alternar o esforço entre 25% de mais massa muscular. 

3- Maior eficiência/ economia- ou seja, a potência que é gerada para um dado custo metabólico (ou a quantidade de oxigénio consumido que é realmente utilizado para produzir potência). 

Pensa-se que essa eficiência esteja relacionada com a quantidade de fibras musculares tipo I, mais “lentas” mas mais eficientes a produzir energia. Já a quantidade de fibras tipo I e II que temos está determinada geneticamente, e acreditava-se que eram estáveis. No entanto, é possível que, ao longo dos anos de treinos de resistência, haja alguma plasticidade nas fibras para se tornarem do tipo I.  

Os atletas também aumentam a eficiência ao usar uma cadência de cerca de 90 r.p.m, que é bastante eficaz para produzir energia por volume de oxigénio consumido.

Sabe-se que as 2 primeiras condições fisiológicas podem ser bastante alteradas através dos treinos. Já a 3ª, nem por isso.
Mas mesmo para as duas primeiras, não se sabe quanto é mérito da genética e quanto mérito é dos treinos. Vamos então fazendo o que podemos, *que é treinar.
 Constança Camilo-Alves
Artigos científicos consultados

Joyner, M. J., & Coyle, E. F. (2008). Endurance exercise performance: the physiology of champions. The Journal of physiology, 586(1), 35-44.

Faria, Erik W., Daryl L. Parker, and Irvin E. Faria. "The science of cycling." Sports medicine 35.4 (2005): 285-312.

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