3 de abril de 2017

Cada um(a) faz o que pode


Desta vez fugi à regra do texto científico e partilho com vocês as minhas experiências subjectivas, pessoais mas transmissíveis, sobre ser profissional, mãe, dona-de-casa e atleta amadora

- Para homens e mulheres atletas amadores:


5 meses antes do Algarve Bike Chalenge estabeleci um plano de treinos, que consistia principalmente em treinos de rolos pós-laboral – o possível de encaixar no meu dia-a-dia, embora rolos não me sejam apelativos, tipo hamster a rodar na sua roda sem sair do lugar.

Cumpri no início com bastante rigor, mas após os treinos diários o sofá chamava-me, implacavelmente.

Com grande sacrifício fugia dele e fazia o jantar para mim e para o miúdo. Eram sempre coisas rápidas, mas as refeições terminavam mais tarde do que era suposto. Também fazia parte da nossa rotina jogarmos à noite um livro-jogo (Aventuras Fantásticas) e depois ele lia sozinho um dos vários livros que periodicamente requisito da biblioteca pública, para adormecer.

O meu filho (e eu) aprecia os nossos momentos antes de adormecer. Além disso, ele é bom de garfo e adora experimentar novos sabores. Vê o Masterchef (o bom, o australiano) e diverte-se a pontuar as minhas refeições.

Por causa dos meus treinos – adicionando o cansaço daí decorrente- as refeições tornaram-se simplificadas demais, acabavam tarde, ele tinha de ir a correr para a cama e nem sobrava tempo para o nosso livro-jogo. Adormecia mais tarde do que o suposto e de manhã era o sacrifício para levantar-se.

Eu não gosto particularmente de cozinhar, excepto pelo prazer que ele tem em comer. Além dos grande cuidado que eu tenho com refeições equilibradas (aqui em casa não há bolachas, nem sumos e afins) ganhei especial entusiasmo em experimentar receitas dos vários livros que tenho, testar novos sabores e novas especiarias, cuidar da apresentação dos pratos, e sentarmo-nos os dois à mesa de jantar, sem nenhuma outra distração adicional.

Como não consegui conciliar as refeições com os treinos, tive de optar. Foi uma questão de prioridades. E os treinos passaram para de manhã, como arranque para um novo dia.

Foi um grande sacrifício, mas a motivação existia. Além disso, com ou sem Algarve Bike Challenge, os treinos matinais dão outra disposição para começar o dia. No entanto, àquela hora, o corpo ainda não está preparado para treinos mais intensos, pelo que era mais “rodar pernas”.

Apesar da leveza do treino, o ritmo tornou-se cansativo para mim. As exigências do trabalho, casa, filho…e treinos. O cansaço e o sono acumularam-se e algo teve de ceder.

Ao longo destes meses tive de encarar e aceitar que NÃO sou uma super-mulher. Mas, principalmente, tive de perceber que não tenho de o ser. Não tenho de ser super-mulher. Não tenho de sentir culpa por não conseguir fazer tudo o que é suposto fazer.

Vou ao facebook e inspiro-me em histórias de sucesso, vejo gente e pedalar ao frio e à chuva, leio conselhos bem-intencionados “nunca desistas”; “vai além dos teus limites”, e fico imbuída desse optimismo, dessa energia toda. Não vou desistir, vou mais além, vou vencer ao sofá, vou conseguir, vou…vou?

Mas vou porquê? Porque é que tenho de tirar horas ao descanso, à família e aos amigos, à leitura, a bons serões? Porque é que tenho de abdicar de tanto, para chegar mais além? Do que se trata, afinal, esse “mais além”?

Foi essa a pergunta que então me assaltou. Tive de rever as minhas motivações relacionadas com o desporto e percebi que há motivações reais e válidas, mas outras que são motivações do ego. Estas últimas são as motivações relacionadas com os outros, com o que queremos mostrar, e não com o que eu quero experienciar ao praticar desporto: ter saúde, sentir energia, ter prazer quando o corpo responde ao que lhe pedimos e fazemos bem a subida – para depois saborear a descida, sentir o vento na cara quando rolamos depressa nos estradões…

Com certeza que há pessoas mais energéticas do que eu que aguentam este ritmo, mas eu não tenho de ser como essas pessoas. Gosto de dar o meu melhor, mas não tenho de ir além de mim. Essa foi a grande lição que trouxe desta experiência pré- Algarve Bike Challenge. Aprender a distinguir os motivos válidos para embarcar nestas aventuras e encaixá-los na minha realidade diária e dentro das minhas reais capacidades.

O meu verdadeiro objectivo no Algarve Bike Challenge era aguentar os 2 grandes dias de prova sem grande sofrimento. Mas o facto é que a dose de treinos que precisava não se encaixaram na minha rotina diária. Fui despreparada para uma prova daquela categoria. O último dia foi um sofrimento desde a partida até ao fim. Fi-lo e terminei graças ao apoio do meu parceiro neste desafio.


Apreciei inúmeros aspectos da prova, o prólogo, as paisagens, as pessoas, o ambiente em geral. Mas, principalmente, o que ganhei de mais importante com esta experiência não foi a medalha de finisher, mas sim…JUIZO. 
Constança Camilo-Alves

4 comentários:

  1. Obrigada por esta partilha tão pessoal e sem floreados, tão vinda de dentro.
    Ter a coragem de se ser imperfeita e assumir isso é uma inspiração GIGANTE.
    Parabéns por isso.
    Um abraço

    Um abraço

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    1. Muito obrigada pelo apoio. Espero poder ajudar, mas o vosso feedback também me ajuda a mim, muito. Abraços

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  2. Um bom exemplo de como devemos encarar este desporto.
    Ou andamos nisto para sofrer, sacrificarmo-nos para obter resultados visíveis, ou vivemos isto como uma forma despretensiosa, somente para nos sentirmos felizes e ser saudáveis.
    Parabéns pelo blog, continuação de boas pedaladas.

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    1. Muito obrigada pelo apoio. Penso que temos de definir bem as nossos objectivos e prioridades de forma realista, mas não é fácil.

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